O dom do Espírito é a
última palavra, o coroamento do percurso pascal de Cristo. Após este dom,
começa a longa caminhada dos discípulos e da humanidade rumo à perfeição da
criação, o “Tempo Comum”. Este é um tempo cheio do Espírito. E, pelo Espírito,
o Cristo se torna interior a nós, a tal ponto misturado conosco que
dificilmente é identificável: mais íntimo a nós do que a nossa própria
intimidade. Temos aqui, a seguir, alguns temas e imagens escriturais que podem
nos permitir progredir na inteligência do Espírito.
Primeiro, as línguas
Um fogo que se
repartiu em línguas (Atos 2,3): a unidade fez-se diversidade. Isto quer dizer,
sem dúvida, que a Unidade divina é rica por demais, para exprimir-se conforme
um modelo só. É como o corpo humano: o homem novo é um organismo, é a
organização e unificação de uma multiplicidade. Um só é o Espírito, e as
línguas todas, uma diversidade. Uma só, a equipe apostólica, e a totalidade das
nações.
Tem-se observado com
frequência que Pentecostes anula a divisão provocada em Babel pela vontade
humana do poder (1ª leitura da Vigília). Estamos sempre convidados a passar do
regime de Babel ao regime do Espírito pela constituição deste Corpo de que nos fala
a segunda leitura do dia. O espetáculo é com certeza menos grandioso do que o
do dom da Lei, em Êxodo 19.
O texto de Atos fala,
no entanto, de “um barulho como se fosse uma forte ventania” e de “línguas como
de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles”. É que passamos do
estado de submissão à Lei, ao estado de liberdade no Espírito. A nova Babel
faz-se acompanhar de um novo Sinai. Daí em diante, seremos movidos pelo Amor
que é o liame da Trindade. A Lei será então perfeitamente observada e cumprida,
mas não mais em nome da Lei, e sim pela força do amor.
O vento violento
No 2º capítulo do
Gênesis, vemos o homem feito de argila ser animado pelo próprio sopro de Deus,
sopro que significa a respiração, mas também a vida. Sopro de Deus que pode
tornar-se vento violento, para secar as águas do dilúvio ou separar em dois o
Mar Vermelho; ou então um sopro novo, para uma vida nova (Ezequiel 36,26-27);
ou a leve brisa que revela a presença divina para Elias (1 Reis 19,12). Jesus
irá dizer que os que nasceram do Espírito são como o vento, que sopra onde quer
(João 3,8). No evangelho de hoje, Jesus repete o mesmo gesto com que Deus
animou Adão: comunica o seu sopro aos discípulos. Os Atos contentam-se com
falar de um “barulho como se fosse uma forte ventania”. Todas estas figuras
querem significar: vida, mobilidade extrema, liberdade.
A alegria
A “Sequência”,
localizada entre a 2ª leitura e o evangelho, apresenta-nos o Espírito como
sendo a luz e o operador de tudo o que Deus realiza em nós e por nós. Este
texto termina falando na "alegria eterna". No discurso após a Ceia, o
Espírito é chamado muitas vezes de defensor, de advogado de defesa que é quem
sustenta, encoraja e assiste o seu cliente no decurso de um processo. Tudo isso
nos diz que a vinda do Espírito se manifesta por uma inundação de alegria, o
que os autores espirituais chamam de "consolação". Muitas vezes
falamos de Deus como de um juiz, que retribui a cada um conforme as suas obras,
mas esquecemos facilmente o fato de ser este mesmo Deus o nosso defensor.
Marcel Domergue é
jesuíta. O texto é baseado nas leituras do Domingo de Pentecostes (24 de maio
de 2015). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Fonte: http://www.domtotal.com/
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